“Diz-me o que comes, dir-te-ei quem és”

Era primavera, estava um lindo dia. O sol brilhava, os passarinhos cantavam alegremente. As árvores começavam a rebentar as primeiras flores. Os campos estavam cada vez mais verdejantes.

A mãe do João, foi ao quarto dele, deu-lhe um beijo na testa e acordou-o.

– Filho, está na hora de acordar.

Abriu as cortinas e deixou que os raios de sol inundassem o quarto do João.
O João estava preguiçoso, como qualquer menino da idade dele. Tinha 8 anos, andava no 3º ano e era um aluno bom. Não era o melhor aluno da escola dele, mas era atento e trabalhador. Os pais do João tinham orgulho no filho. Diziam não ser um menino difícil. Era cumpridor e normalmente obedecia às regras impostas em casa e na escola.

– Vês? Ontem à noite a dizeres que não tinhas sono, depois de manhã é sempre a mesma história. Toca a levantar, João.

Com mais um beijinho na testa, e umas cócegas na barriga, lá fez o João levantar-se da cama. Ainda de olhos fechados, muito sonolento.

Era assim todos os dias. E lá foi arranjar-se, fazer xixi, lavar os dentes e a cara, vestir-se e tomar o pequeno-almoço.

O pequeno-almoço era das refeições mais importantes na casa do João. Ele sempre tinha sido educado assim. Todos os dias de manhã tomava um copo de leite ou 1 copo de sumo natural de
fruta, acompanhado de um pão com marmelada, queijo ou manteiga. Às vezes o que ele mais gostava era de um iogurte com cereais. A peça de fruta era imprescindível, todos os dias tinha de comer ou uma banana, uma maçã, uma pêra, uma tangerina, enfim, a fruta que houvesse lá por casa.

A mãe do João teve de voltar a entrar no quarto e a chamá-lo.

O João terminou o pequeno-almoço, vestiu o casaco, colocou a mochila às costas e despediu-se da mãe. A escola era muito perto de casa e ele já era crescido para ir a pé.

– Boas aulas. Diverte-te e estuda muito! Beijinhos! – Gritou a mãe da porta de casa.

Lá foi o João a correr pelo passeio. Mal fez a curva, encontrou o Manuel.
O Manuel era um menino vizinho dele, andava na mesma escola, mas era um ano mais velho. O Manuel já tinha 9 anos e o Manuel apesar de parecer sempre chateado ou zangado tinha tanta sorte. Não é que todas as manhãs o Manuel podia comer uma panqueca daquelas compradas no supermercado, ou um kinder bueno, ou até mesmo um bolicao? O João tinha inveja dele. A mãe do Manuel era muito melhor.

– Bom dia, Manuel! Estás bom?
– Estou cheio de sono. É uma seca ter de ir para a escola. – disse o Manuel enquanto dava uma trinca na panqueca embalada em plástico.
– Sim, também tenho um pouco de sono. O que estás a comer Manuel?
– É uma panqueca. Queres?
– Obrigado. Já tomei o pequeno-almoço e agora não tenho fome. Mas tu tens mesmo muita sorte. Podes vir a comer o pequeno-almoço enquanto caminhas e ainda por cima são muito melhores que os meus.
– O que comeste hoje, João?
– Hoje bebi um copo de leite, comi um pão com marmelada e uma tangerina.
– Blerckkk que nojo. Eu não gosto de marmelada, nem de tangerina.
– Humm… eu gosto, mas preferia a panqueca, mas a minha mãe diz que me faz mal… enfim.

Entretanto chegaram à escola e cada um foi para a sua sala.
O Manuel era um aluno difícil. Estava sempre cansado para fazer as actividades propostas em aula, estava sempre irrequieto, metia-se com os colegas.
A professora do Manuel já não sabia muito bem o que havia de fazer. Já tinha esgotado todas as estraté- gias. Os pais do Manuel também sentiam-se impotentes. Já o tinham levado a vários médicos, psicólogos e terapeutas, mas nada estava a resultar.

Foi-lhe diagnosticado défice de atenção e hiperactividade. Mas os pais do Manuel achavam que ele era novo demais para tomar medicação.

Nesse dia o Manuel estava mesmo irritado. Ele não sabia porquê que se sentia assim. Achava uma seca a escola e queria era ir para o recreio poder brincar. A culpa era da mãe, que não o tinha deixado jogar até mais tarde, talvez se ela tivesse deixado ele hoje já se sentia menos irritado.

Tocou para fora. Lá foram todos para o recreio. Finalmente os dias estavam a ficar mais quentes e já não chovia há mais de uma semana, por isso dava para brincar no jardim.
O João saiu da sala dele com uma maçã na mão e um pão com queijo. O Manuel foi à mochila e estava lá o bolicao.

O Manuel foi ter com o João e perguntou-lhe o que ele estava a jogar. Parecia tão divertido. O João explicou-lhe que estavam a jogar a um jogo novo. Chamava-se o “estica”. usavam dois paus, e íam afastando os paus e os colegas tinham de saltar de um pau para o outro. O que conseguisse saltar mais longe, com os paus mais afastados, ganhava. O Manuel quis brincar àquele jogo. Então os outros meninos recomeçaram o jogo e colocaram os paus bem juntos, com cerca de meio metro de afastamento. Foram todos saltando, era fácil. Era a vez do Manuel. E ele saltou e… não conseguiu. Deu um salto menor que os paus. Os outros meninos começaram a rir-se dele, a chamá-lo de gordo.
O Manuel deu um pontapé nos paus e gritou que aquele jogo era uma porcaria.

Saiu de lá a correr e com as lágrimas a escorrerem pela cara abaixo.

O João foi ter com ele. Não queria que ele ficasse zangado. Mas o Manuel já não quis falar mais com ele. O João queria ajudar, mas não sabia o que havia de fazer. O próprio João não entendia como é que o Manuel não tinha conseguido saltar tão pouquinho.

O Manuel não entendia que o problema dele era a alimentação e a vida sedentária. O Manuel não sabia que se comesse sempre alimentos cheios de açúcar, corantes, emulsionantes, conservantes e com gordura que nunca iria conseguir sentir-se feliz, bem disposto e capaz de ser tão activo fisicamente como os seus amigos. O Manuel ainda não tinha descoberto que nós somos aquilo que comemos.

E tu? O que comes?


Tal como prometido deixo-vos aqui o meu conto infantil. Esta foi uma história criada para a minha filha. Muitas vezes pede-me que conte histórias para adormecer e quer que eu invente. O que começou por ser uma brincadeira entre nós as duas tornou-se num mini projecto que depois se converteu num mini livrinho com receitas e um conto para um workshop de crianças. Já estou a desenvolver mais histórias, e maior parte delas com a “ajuda” da minha mini-chef. 
Espero que tenham gostado do meu conto. A mim deu-me um prazer enorme escrevê-lo e ilustrá-lo. 


Eduquem os vossos filhos a comer bem, pois é a base de toda a nossa saúde física e mental.


*O livrinho está registado e protegido pelo IGAC, todos os direitos de autor pertencem a Clavel’s Cook.

“Diz-me o que comes, dir-te-ei quem és” Comentários
  1. Está mesmo muito giro, e com uma mensagem muito importante! Continuando assim o Manuel vai ter muitos problemas 🙁 É importante as crianças perceberem isso de uma forma simples e divertida como esta. Parabéns 🙂

  2. Cá em casa pensamos de igual forma. Talvez por eu não ter tido essa maneira de estar (lá em casa, a minha mãe recompensava-nos com doces e bolos e afins) na minha infância, agora quero muito que o meu filho, agora com 4 anos, goste de coisas saudáveis. Não sei se acontece com a sua filha, mas na escolinha do meu pequeno, eles competem muito com os lanches (de reforço). O meu costuma levar fruta, iogurte ou um queijinho em triângulo. A maior parte leva bolachas com chocolate, bolicaos e coisas do género. Depois ele vem para casa pedir coisas que eu nem sei o que são… 🙂 Gostei da sua história. Vou lê-la ao Vicente e sei que ele vai gostar! 🙂 Obrigada. *

  3. Gostei muito. Este conto deveria ser contado a todos os pais (para depois contarem aos seus filhos) e nas escolas (e as escolas aprenderiam também com ele). Vou imprimi-lo para ler amanhã às minhas filhotas. Parabéns!

  4. Olá Maria,

    mesmo não tendo filhos adoro histórias para crianças, ainda hoje me perco nos livros de fábulas que existem em casa.
    Ficou uma história linda, de fácil compreensão e com uma mensagem importante nos dias que correm, as ilustrações estão bem fofas, gostei muito.

    Beijinhos

  5. Olá Maria João,
    Gostei muito do conto, também penso assim, raramente dou essas coisas compradas ao meu pequeno. O pediatra dele sempre nos aconselhou a compor o pequeno-almoço da forma como falas: leite, cereiais (pão ou cereais de pequeno almoço com pouco açúcar) e fruta. Nem sempre consiguimos fazê-lo comer tudo, mas tentamos (hoje foi um dia desses….).
    Gostava de ter a história, envio e-mail a pedir?
    Bjinhos e votos de muito sucesso com as histórias!

  6. Olá Clavel,
    Já te deixei a minha opinião no post abaixo, antes de teres publicado este e só aqui venho reiterar tudo o que te escrevi abaixo e parabenizar uma vez mais pela tua criatividade e dedicação!!
    Beijinhos grandes e bom fim de semana em Lisboa,
    Lia.

  7. Gostei muito. Na minha casa o pequeno-almoço também é muito importante e sempre com alimentos nutritivos, o menos processados possível.

    As minhas filhas estão no início da adolescência e os problemas começam a ser outros, com a preocupação com o peso, o querer ser muito magra, ou tendo que encontrar alternativas à carne, no caso de uma delas, por questões, não de saúde, mas ecológicas e de defesa dos animais.

    De qualquer modo, este comentário já vai longo, era só para te dizer que acho este um projecto muito relevante nos dias de hoje, em que as nossas crianças são cada vez mais o público-alvo de muitas campanhas de publicidade e são aliciadas para práticas de consumo menos saudáveis e em que, muitas vezes, estão a perder o contacto com a origem dos alimentos que consumimos (ainda me lembro de uma menina me dizer que as salsichas vêm da Izidoro, passe a publicidade).

    Beijinhos
    Paula

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